As vozes que me inspiram
As vozes que me inspiram escolhem a simplicidade
e o recolhimento
são amáveis por natureza
o olhar límpido e brilhante
riem-se muito
e por vezes choram
As vozes que me inspiram são muito antigas
e sempre actuais
lembram velhinhas de rostos muito brancos
e sorrisos muito carinhosos e maternais
e quando falam é como um sussurro que mal se ouve
como um instrumento musical
a repetir a mesma frase
Lembro como quem viaja no tempo sem se mexer
essa verdade que aprendi ainda é a de hoje
antes no plano teórico agora no plano prático
as vozes que me inspiraram estavam certas
e as que me inspiram hoje também
Gostava de lhes dizer que estou aqui
neste preciso momento
de consciência clara, como um espelho
a reflectir encontros e desencontros
palavras e silêncios
e a claridade exacta
A síntese paradoxal que hoje sou
(ou penso que sou)
essa já é da minha inteira responsabilidade
Passei demasiado tempo a observar o mundo
e sempre através de janelas protectoras
só de vez em quando me atrevi a inundar-me de sol
O mundo sempre me assustou
toda essa agitação sem lógica nem sentido
mas que pode ser amável em pequenas doses
clareiras no tempo onde nos podemos abrigar
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"Lie to me": uma série muito útil
Já aqui falei nesta série Lie to me, mas não cheguei a evidenciar toda a sua utilidade.
Trata-se essencialmente de um grupo de investigadores que apoia o trabalho policial, sobretudo nos interrogatórios. Tim Roth é muito convincente no papel de Dr. Cal Lightman. E as restantes personagens são complexas q.b. e nem sempre seguem as regras, o que torna a série mais credível. Os diálogos são cuidados e adequados. E as situações são muito actuais, cobrem uma realidade que está aí, como a escravatura urbana camuflada (no episódio mais recente que vi, por exemplo, abordou o problema dos imigrantes sem protecção social e, mais especificamente, as barrigas de aluguer).
Ora bem, como estudiosos da comunicação não-verbal, sobretudo da expressão facial, conseguem identificar, com uma mínima margem de erro, as emoções básicas como o ódio, a raiva, o desprezo, a vergonha. E algumas mais difíceis de captar, a que eles chamam micro-expressões, pormenores tão subtis que escapam facilmente ao investigador mais treinado, como o desgosto ou a mágoa, importante no caso do suicida potencial.
Mas o mais interessante é mesmo a diferenciação da verdade da mentira. Incrível. Conseguir identificar a mentira na expressão facial, a partir de diversos movimentos dos músculos faciais.
Sempre fixei a minha atenção na voz, treinei-me desde que me conheço para distinguir timbres, entoações, tonalidades, cores, das vozes mais diversas. Assim como pronúncias, entretenho-me, por exemplo, a identificar os locais de origem das pessoas. A sério!
E não apenas vozes do meu quotidiano, digamos assim, também as vozes dos actores, por exemplo. Identifico-os pela voz.
Também me treinei para pressentir as emoções pela voz. Raramente me engano.
Mas na expressão facial, sou uma ingénua. Frente a frente, tendo a acreditar e a confiar no que me dizem. Isto é, na presença da pessoa, parto sempre do princípio que não tem qualquer razão para mentir.
É estranho e paradoxal, detectar mais facilmente a mentira à distância e pela voz, do que na presença da pessoa. E mesmo que alguém me diga que o que me disseram não corresponde à verdade, ainda assim hesito. Estranho, não é?
Por isso gosto tanto desta série! Já aprendi umas coisas. Pequenas nuances em que geralmente não reparamos.
Penso que da próxima vez já conseguirei detectar uma ou outra mentirita. Não é por nada, a maior parte das vezes, as mentiras são inofensivas e até amáveis, mas quando for o caso de alguma mais significativa e que possa fazer alguma diferença, não voltarei a cair que nem uma patinha...
A série passa às 4ªs feiras, na FOX, sempre depois das 22:00.
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Coisas simples: as emoções
Que semana esta! Como é possível que uma pessoa como eu, que já passou há muito a fase da idade impressionável, ainda se deixe envolver pela emoção e entusiasmo, só por causa de um primeiro sinal de vida do cidadão comum, por exemplo?
Mas foi mesmo assim. Outras novidades entretanto me emocionaram, por razões diferentes, mas aquele primeiro sinal de vida foi o que me pôs o coração a bater mais depressa e a meter-me a caminho.
Se esta iniciativa alterou alguma coisa? Se teve algum impacto? Ainda é cedo para o dizer.
Mas no plano simbólico foi significativa. É um primeiro sinal de vida. De uma sociedade civil que já se dava como amorfa, indiferente, em estado comatoso.
Se as opiniões pós-manifestação me impressionaram ou incomodaram? Não, mas deixaram-me perplexa. O que é que os críticos da manifestação entendem por liberdade? A mim não me incomoda nada quem não esteve lá. São tão livres de não estar como eu de estar.
Quanto aos comentários deselegantes e até grosseiros, porque a ironia inteligente não é o seu forte, também não me incomodam nada, a não ser as emoções que revelam, esse subterrâneo de agressividade que os caracteriza: ódio e raiva, por exemplo, são emoções que me desagradam, confesso.
Quanto ao trabalho jornalístico, uma desgraça. No "Público" o texto refere mais de 100 pessoas mas na fotografia aparece apenas uma: um senhor segura um cartaz e por trás vemos a escadaria, a Assembleia e um triângulo de céu azul. Bonito! Quem não passou em frente do grupo, isto é, a maior parte dos leitores do "Público", ficou com a ideia, erradíssima, da geração da maioria dos participantes da manifestação, por exemplo. E esse seria o dado essencial da manifestação. Pois é, falharam no essencial: a maioria dos participantes pertence às gerações pós-revolução de 74. Eu apontaria mesmo para uns 80%, os manifestantes nascidos nos anos 70 e 80. Isto já diz muito do significado da manifestação. Uns 15%, das gerações que eram crianças ou adolescentes (o meu caso) na revolução de 74. E os tais 5% da geração representada pelo senhor da fotografia. Que rico jornalismo o do "Público"!
Aqui também se iniciou um novo conceito de manifestação: deixa de ser a pose ou o slogan, para ser um encontro descontraído de pessoas que partilham uma ideia e uma mensagem. Essa ideia e essa mensagem é transmitida através de uma petição que é entregue no local adequado.
A presença das pessoas ganha outro significado: estão lá, sabem porque estão lá, e isso lhes basta. No final, a promotora da petição agradece a presença de todos e batem-se palmas.
Esta cultura do encontro, numa ideia e numa mensagem que une um grupo heterogéneo de pessoas, esta cultura da amabilidade e do respeito pelas diversidades, é uma lufada de ar fresco para quem viveu numa cultura de autêntica divisão por subgrupos, essa pressão insuportável e medíocre de ideias feitas e de preconceitos.
Esta cultura do respeito e da amabilidade na diversidade é a adequada numa democracia de qualidade.
Penso ter apontado o essencial desta petição e desta manifestação: há aqui um salto cultural e geracional. É esse, a meu ver, o seu primeiro significado.
Nasce nos blogues e no twitter (o que me agrada pensar que o José Manuel Fernandes faz muitos mais estragos à cultura da seita das pressões, no twitter, do que fazia no "Público"!), nesse espaço de liberdade, num universo paralelo ao dos jornais e das televisões, onde a liberdade está cada vez mais ausente.
Outro significado: não há qualquer hipótese hoje em dia de manter esta cultura da mediocridade. Pode levar mais tempo do que desejaríamos, mas este é o primeiro sinal desse salto cultural e geracional, queiram ou não admiti-lo.
Recentemente um amigo, numa conversa animada sobre séries de televisão, ao ver quais as minhas preferidas, referiu de forma certeira: Gostas de ver resultados rápidos.
É verdade, nunca apreciei séries como os Perdidos, que ele acompanha desde o início, por exemplo.
O nosso Alan Shore (Boston Legal) resolve os casos em tribunal e ficamos logo a saber o veredicto. Mesmo na série Flashforward vamos tendo alguma informação que nos permite ir compondo o puzzle final. E agora, na Lie to Meos resultados estão logo à vista, na observação científica das reacções faciais e corporais das pessoas. Vale a pena ver. A sério! Já aprendi uma ou duas reacções que revelam a mentira, por exemplo. É muito útil. Também já consigo identificar o ódio, a raiva, o desprezo, apenas pela expressão facial.
Bem, sobrevivi a esta semana e é isso que importa.
Correcção estatística: Depois de ver alguns vídeos da manifestação, talvez deva corrigir aqui as minhas primeiras estatísticas. Embora não se trate de nenhum estudo sociológico, gosto de analisar os fenómenos e aqui a representação por gerações tem um significado para mim.
Assim, talvez a minha geração e a imediatamente posterior, isto é, as que eram crianças e adolescentes na revolução de 74, estejam melhor representadas do que inicialmente contabilizei: em vez dos 15%, aí uns 30%. Mas ainda assim, as gerações pós-revolução de Abril são as que compareceram em maior número.
A meu ver, a distinção direita-esquerda é secundária. Porquê? Porque ninguém tem o monopólio do respeito pela liberdade. Essa consciência é individual, não é colectiva. Começa em cada indivíduo. Isso é que determina como se vai comportar no colectivo.
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...
Há memórias de frases
de acontecimentos
de uma determinada claridade
de uma determinada emoção
mas não consigo sequer apreender todo o sentido
Sei que tiveram imensa importância no meu percurso
que de certo modo o determinaram
mas ainda não consigo revê-los
ouvi-los de novo, claro e bom som
Há personagens que foram decisivas na minha vida
e nem sei quem são
desconheço a sua realidade
o que me disseram naquele dia
como senti o seu olhar
as suas palavras
que até podiam ser circunstanciais
vazias de sentido
mas que eu valorizei para sempre
como era meu hábito ou característica
gravar tudo o que me acontecia como se fosse na própria alma
ou registo de memória
Isto determinou o meu percurso
Posso até dizer hoje que parte de mim
é esse registo de memórias
como eu as vivi e senti
absorvi melhor dizendo
da forma fragmentada ou sem sentido
Talvez lhes tenha dado um outro sentido
Como era eu antes dessa influência da memória sensível?
É essa claridade que eu recordo vagamente
Uma nuvem, branca, de Maio
Uma determinada tarde de Verão
numa determinada varanda
Um riso, súbito, límpido
Um determinado jardim
As frases, com sequências de palavras
registadas para sempre numa parte de mim
e posteriores a essa minha natureza primordial
vieram alterar de forma inexorável todo o meu percurso
A minha natureza primordial é anterior às palavras
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Do Tempo das Descobertas: A fuga de um lisboeta
A minha primeira descoberta para este "Do Tempo das Descobertas" vem do Ouriquense:
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Planícies intermináveis
ausência de sombras
o sol a invadir tudo
pedras, pele, alma
Viagem sem tréguas
a única que nos inspirou
Agora olhamos para trás
para essa sombra amiga
acena-nos de mansinho
muito de mansinho
Tempo de voltar a casa
a única que nos conheceu realmente
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Do Baú:
Talvez eu não saiba as respostas
a tantas perguntas
E talvez as venha a descobrir
nas certezas mais simples
sorrisos abraços lágrimas
discussões sobre pequenos nadas
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Do Baú:
Na mais ténue incerteza
estava a razão de estar ali
naquele preciso momento
e as palavras eram ditas
como em pensamento
e as não ditas...
estavam-nos no sangue!
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Como podemos descrever a nossa vida?
Um caminho?
Uma encruzilhada?
Um eterno retorno?
Acho que tive um pouco de tudo isso.
Também houve um vulcão activo
e um açude caudaloso.
E um jardim pacífico
onde não me importava de ficar.
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Sim, a música também nos leva até esse tempo-espaço
que nunca é exactamente como foi mas uma reconstrução
Misturamos tudo, emoções e pensamentos
imagens e claridades
Somos o que vivemos desde essa altura até agora
tudo no nosso cérebro como uma coisa viva
e sempre em transformação
Mil vezes essa amálgama confusa
de sentimentos e pensamentos, imagens e acontecimentos
que nunca sei situar
do que as certezas arrumadas de alguns
que não se deixam sequer transformar pela vida
em que a vida mal toca, passam pela vida de raspão
mergulham na existência e até parece que vivem intensamente
que mergulham por assim dizer na realidade
mas no fim de contas é tudo uma questão de superfície, de pele
não de essência nem de alma
A cada um a sua natureza